Antonia Pozzi – Novembro

E depois – quando eu partir
restará alguma coisa
de mim
no meu mundo –
restará um fino rasto de silêncio
no meio das vozes –
um ténue sopro de branco
no coração do azul –

E numa noite de Novembro
uma menina frágil
à esquina de uma rua
venderá braçadas de crisântemos
e lá estarão as estrelas
gélidas verdes distantes –
Alguém chorará
em algum lugar – em algum lugar –
Alguém irá procurar crisântemos
para mim
no mundo
quando sem regresso
eu tiver de partir.

Trad.: Inês Dias

REPUBLICAÇÃO: poema publicado na página originalmente em 28/06/2018

Antonia Pozzi – Novembre

E poi – se accadrà ch’io me ne vada –
resterà qualchecosa
di me
nel mio mondo –
resterà un’esile scìa di silenzio
in mezzo alle voci –
un tenue fiato di bianco
in cuore all’azzurro –

Ed una sera di novembre
una bambina gracile
all’angolo d’una strada
venderà tanti crisantemi
e ci saranno le stelle
gelide verdi remote –
Qualcuno piangerà
chissà dove – chissà dove –
Qualcuno cercherà i crisantemi
per me
nel mondo
quando accadrà che senza ritorno
io me ne debba andare.

Antonia Pozzi – Erros

Cai graciosamente a neve
sobre os cestos das floristas: embranquece
os junquilhos e as violetas,
as delicadas frésias vindas
dos países do sol.
Ao vê-las pensamos
nos muitos destinos errados
que sofrem
pelos caminhos da terra
e um furor nostálgico investe
pelos caminhos de ouro da alma
aonde não chega a neve.

Trad.: Inês Dias

Errori

Fiocca la neve leggiadramente
sui cesti delle fioraie: imbianca
le giunchiglie e le viole,
le fresie magre, venute
dai paesi del sole.
A guardarle si pensa
dei tanti destini errati
che dolgono
per le vie della terra
ed un furore nostalgico serra
per le vie d’oro dell’anima
a cui neve non giunge.

Milano, 2 marzo 1932

Antonia Pozzi – Morte de uma estação

Choveu toda a noite
sobre as memórias do verão.

Ao anoitecer saímos
no meio de um ribombar lúgubre de pedras
e, parados na margem, levantamos as lanternas
para explorar o perigo das pontes.

Ao amanhecer vimos as pálidas andorinhas
ensopadas e pousadas sobre os fios
à espreita de indícios secretos de partida –

e refletiam-nas na terra
as fontes com os rostos desfeitos.

Trad.: Inês Dias

Morte di una stagione

Piovve tutta la notte
sulle memorie dell’estate.

Al buio uscimmo
entro un tuonare lugubre di pietre,
fermi sull’argine reggemmo lanterne
a esplorare il pericolo dei ponti.

All’alba pallidi vedemmo le rondini
sui fili fradice immote
spiare cenni arcani di partenza –

e le specchiavano sulla terra
le fontane dai volti disfatti.

Pasturo, 20 settembre 1937

Antonia Pozzi – Desalento

Tristeza destas minhas mãos
demasiado pesadas
para não abrirem feridas,
demasiado leves
para deixarem marca –

tristeza desta minha boca
que diz as mesmas
palavras que tu
– significando outras coisas –
e esta é a expressão
da mais desesperada
distância.

Trad.: Inês Dias

Sfiducia

Tristezza di queste mie mani
troppo pesanti
per non aprire piaghe,
troppo leggere
per lasciare un’impronta –

tristezza di questa mia bocca
che dice le stesse
parole tue
– altre cose intendendo –
e questo è il modo
della più disperata
lontananza.

Antonia Pozzi – Canto da Minha Nudez

Olha para mim: estou nua. Da inquieta
languidez da minha cabeleira
até à tensão fina do meu pé,
sou toda de uma magreza amarga
envolta numa cor de marfim.
Olha: como é pálida a minha carne.
Dir-se-ia que o sangue não a percorre.
O vermelho não transparece. Apenas uma lânguida
pulsação azul se esbate no meio do peito.
Vê como tenho o ventre côncavo. Incerta
é a curva das ancas, mas os joelhos
e os tornozelos e todas as articulações
são escanzelados e duros como os de um puro-sangue.
Hoje, deito-me nua, na limpidez
da banheira branca e deitar-me-ei nua
amanhã sobre um leito, se alguém
me quiser. E um dia nua, só,
estendida de costas sob demasiada terra,
hei-de estar, quando a morte me tiver chamado.

Trad.: Inês Dias

Canto della mia nudità

Guardami: sono nuda. Dall’inquieto
Languore della mia capigliatura
Alla tensione snella del mio piede,
io sono tutta una magrezza acerba
inguainata in un color avorio.
Guarda: pallida è la carne mia.
Si direbbe che il sangue non vi scorra.
Rosso non ne traspare. Solo un languido
Palpito azzurrino sfuma in mezzo al petto.
Vedi come incavato ho il ventre. Incerta
È la curva dei fianchi, ma i ginocchi
E le caviglie e tutte le giunture,
ho scarne e salde come un puro sangue.
Oggi, m’inarco nuda, nel nitore
Del bagno bianco e m’inarcherò nuda
domani sopra un letto, se qualcuno
mi prenderà. E un giorno nuda, sola,
stesa supina sotto troppa terra,
starò, quando la morte avrà chiamato.

Antonia Pozzi – Grito

Não ter um Deus
não ter um túmulo
não ter nada de certo
mas apenas coisas vivas que nos fogem –
existir sem ontem
existir sem amanhã
e cegar no vazio
– socorro –
pelo sofrimento
que não tem fim –

10 de fevereiro de 1932

Trad.: Inês Dias

Grido

Non avere un Dio
non avere una tomba
non avere nulla di fermo
ma solo cose vive che sfuggono –
essere senza ieri
essere senza domani
ed acciecarsi nel nulla –
– aiuto –
per la miseria
che non ha fine –

10 febbraio 1932

Antonia Pozzi – Novembro

E depois – quando eu partir
restará alguma coisa
de mim
no meu mundo –
restará um fino rasto de silêncio
no meio das vozes –
um ténue sopro de branco
no coração do azul –

E numa noite de Novembro
uma menina frágil
à esquina de uma rua
venderá braçadas de crisântemos
e lá estarão as estrelas
gélidas verdes distantes –
Alguém chorará
em algum lugar – em algum lugar –
Alguém irá procurar crisântemos
para mim
no mundo
quando sem regresso
eu tiver de partir.

Trad.: Inês Dias

Antonia Pozzi – Novembre

E poi – se accadrà ch’io me ne vada –
resterà qualchecosa
di me
nel mio mondo –
resterà un’esile scìa di silenzio
in mezzo alle voci –
un tenue fiato di bianco
in cuore all’azzurro –

Ed una sera di novembre
una bambina gracile
all’angolo d’una strada
venderà tanti crisantemi
e ci saranno le stelle
gelide verdi remote –
Qualcuno piangerà
chissà dove – chissà dove –
Qualcuno cercherà i crisantemi
per me
nel mondo
quando accadrà che senza ritorno
io me ne debba andare.

Antonia Pozzi – Pausa

Parecia-me que este dia
sem ti
devia ser inquieto,
escuro. Em vez disso está repleto
de uma estranha doçura, que aumenta
com o passar das horas –
quase como a terra
após um aguaceiro,
que fica sozinha no silêncio a beber
a água caída
e pouco a pouco
nas veias mais profundas se sente
penetrada.

A alegria que ontem foi angústia,
tempestade –
regressa agora em rápidas
golfadas ao coração,
como um mar amansado:
à luz suave do sol reaparecido brilham,
inocentes dádivas,
as conchas que a onda
deixou sobre a praia.

Trad.: Inês Dias